A colónia de Nova Louzã adotou um sistema de recrutamento muito original. Aproveitando-se de sua condição de imigrante, o próprio Montenegro ia selecionar famílias de conterrâneos dispostas a vir para o Brasil, trabalhar na fazenda. O procedimento teve rápida repercussão. Jornais da época não tardaram a creditar a este sistema grande parte do clima de boas relações que reinava na colónia e do sucesso alcançado pelo estabelecimento de Montenegro.

 

De facto, o ambiente era bem diferente do que era encontrado na maioria das fazendas que também utilizavam trabalhadores europeus. Nestas predominavam a desconfiança, os enganos, o desrespeito aos contratos e, muitas vezes, a violência. Uma fonte constante de conflitos era a coexistência de dois sistemas dentro da mesma propriedade – o trabalho escravo e o trabalho livre. Em 1872, por exemplo, no município de Mogi Mirim (ao qual pertencia Pinhal), a população escrava chegava a mais de cinco mil indivíduos, quase um quarto do total de habitantes.

 

O tradicional sistema escravista havia sofrido um duro golpe em 1850, quando a lei Eusébio de Queiróz proibiu a importação de escravos da África, decretando o fim do tráfico negreiro. Ao mesmo tempo, a expansão da produção cafeeira demandava uma quantidade crescente de braços para as fazendas que se espalhavam pelo interior da província de São Paulo. A situação gerou discussões sobre alternativas à mão de obra escrava, e começaram a surgir experiências de emprego de trabalhadores livres. A principal opção que se abriu aos cafeicultores era a importação de mão-de-obra europeia. Esta população costumava estar disposta a deslocar-se para a América, motivada grandes dificuldades pelas quais passava o Velho Mundo.

 

Na transição do regime escravista para o de empregados livres, era comum que negros cativos e colonos europeus convivessem lado a lado nas fazendas paulistas. Montenegro enxergava aí um problema que inibia a imigração em massa para o Brasil, pois a utilização dos dois sistemas sempre daria lugar a argumentos de que os colonos eram “tratados como escravos”.

 

Além de utilizar somente trabalhadores livres, o sistema implantado em Nova Louzã apresentava outra grande novidade em relação aos cafeicultores paulistas: pagava salários mensais. O comum, naquela época, era o chamado “sistema de parceria”. Idealizado pelo senador Vergueiro (1778-1859), este sistema baseava-se num contrato que destinava à família do colono um certo número de pés de café para o cultivo e uma determinada área de exploração para subsistência. A remuneração era proporcional ao montante de géneros produzido pela família, descontadas as despesas de transporte, adiantamentos e recursos para a instalação inicial. Vergueiro adotou este sistema na Fazenda Ibicaba, de sua propriedade, localizada no município de Limeira. De lá, a prática se espalhou por São Paulo.

 

O sistema de parceria tinha claras desvantagens. A principal era a incerteza dos colonos quanto ao lucro que teriam. Geadas, pragas e outros problemas podiam afetar os cafezais e comprometer a produção. Sem falar no clima de desconfiança quanto à lisura dos fazendeiros – afinal, não havia como conferir as condições de negociação e o preço de venda obtido. Montenegro passava ao largo dessas tensões garantindo aos seus colonos o pagamento de salários fixos.

 

Por fim, a experiência alternativa do comendador adotou mecanismos inéditos para regular e disciplinar direitos, deveres e a convivência entre os colonos. Os regulamentos eram a base do bem-estar e do ambiente harmonioso no interior da propriedade. Em agosto de 1872, uma assembleia de empregados da casa criou o Regulamento Administrativo e Policial da colónia. Enquanto a imensa maioria das fazendas paulistas regulava suas relações de trabalho pela chibata e pelo despotismo absoluto dos seus proprietários, Montenegro propôs que da assembleia participassem, com direito a voto, todos os empregados da colónia, homens e mulheres. Com o curioso detalhe de que as mulheres podiam votar aos 16 anos e os homens, só aos 18. As reuniões podiam ser convocadas pelo proprietário ou por iniciativa de metade e mais um dos empregados da fazenda. E as medidas eram decididas em votações secretas.

 

O regulamento previa a aplicação de multas aos empregados que desobedecessem às normas. As mais pesadas visavam coibir a prática de qualquer tipo de violência, para assegurar um relacionamento pacífico entre os colonos. Uma vez multado, o empregado ainda poderia recorrer em assembleia, caso se sentisse injustiçado. O montante arrecadado com as multas, em vez de favorecer o fazendeiro, era revertido para uma caixa de beneficência, cujos fundos seriam aplicados em favor dos colonos que por motivo de doença tivessem que voltar a Portugal.

 

O modelo prosperava. A fazenda tinha 80 moradores em 1872. Sete anos depois, a população chegava a 124 colonos. Todas essas iniciativas colocavam a Nova Louzã numa situação que contrastava profundamente com a das outras fazendas de café. A colónia era uma exceção que despertava sentimentos e reações contraditórias, tanto no governo como entre os fazendeiros.  


Os abolicionistas, em geral, viam a experiência com muito bons olhos e utilizavam a fazenda do comendador como modelo a ser seguido. Em julho de 1875, sob o título de “O melhor meio de atrair imigrantes”, o jornal “Província de São Paulo” publicou a seguinte notícia:

 

“Hoje devem descer para Santos, com destino a Portugal, alguns colonos da Nova Louzã, propriedade do sr. Comendador J. E. de Carvalho Monte-Negro, os quais, estando terminado o prazo do contrato e tendo feito economias, voltam à terra da pátria satisfeitos, senão ricos, ao menos com meios de viverem sem privações e talvez em tal ou qual abundância. Entre esses colonos há mulheres e até famílias completas. Este fato, honroso para o diretor daquela colônia, já tão conhecida entre nós, é uma excelente recomendação para ele continuar a merecer a confiança dos seus compatriotas. Relativamente à imigração de Portugal, esta volta dos colonos da Nova Louzã deve merecer muita influência em favor de nosso país e especialmente da província de S. Paulo. Se de outras colônias partissem para a Europa colonos felizes e satisfeitos como estes, depois de terminados os seus contratos, outra seria a corrente de imigração européa para cá. Registremos solenemente o fato e fique ele como um bom exemplo a ser seguido”.

 

Mas havia também os céticos, que duvidavam que a aplicação do sistema em larga escala fosse viável. O governo, entre curioso e admirado, era reticente em relação ao que acontecia na propriedade de Montenegro. O relatório de um comissário do governo imperial, enviado para conhecer a colónia em 1870, afirmava que a iniciativa era digna de simpatia e interesse, mas argumentava que era muito cedo para concluir se os resultados alcançados se deviam apenas às excelentes relações mantidas com os empregados ou se às regras que regulavam estas relações:

 

“A Nova Louzã é antes uma família do que uma colônia, e separa-se dos outros estabelecimentos análogos da província por este lado, tanto como pelo sistema de trabalho que adotou. É por certo uma tentativa digna de todo o interesse e simpatia, e o seu proprietário já tem feito muito. É cedo, porém, para decidir se os resultados que tem alcançado são devidos às excelentes relações que mantém com os empregados ou se às regras que regulam essas relações”, registava o documento.

 

Oito anos depois, o próprio imperador D. Pedro II visitou a Nova Louzã. Apesar do evidente interesse, o governo não chegou a estimular a continuidade do projeto. Pelo contrário: em várias ocasiões, Montenegro se queixou do não cumprimento, por parte do poder público, de contratos firmados para subsidiar a vinda de imigrantes. Faltava todo tipo de crédito para a fazenda, o que o obrigava a vender antecipadamente a colheita de café a preços pouco compensadores.

 

Duas décadas depois de implantado, o sistema salarial proposto por Montenegro ainda tinha pouca aceitação na província de São Paulo, e não inspirou seguidores. Prevaleceu o sistema de parceria, que mais tarde evoluiu para a empreitada (na qual os colonos eram contratados para realizar tarefas específicas, como preparação do terreno, plantio ou colheita). Após a abolição da escravatura, em 1888, generalizou-se um sistema de remuneração misto, conhecido como contrato de colono, que combinava salários anuais pelo trato do cafezal, pagamentos pelo volume de café colhido, por tarefas, diárias e alguns benefícios não-monetários.

 

Diante das dificuldades financeiras, Montenegro vendeu sua propriedade três meses antes do fim oficial da escravidão.

 

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/o-valor-do-trabalho#