“Para se formar a todo o tempo idéa das propriedades que o sr. commendador Montenegro possue assim na Louzã, como no municipio de Mogy-mirim (Brasil), ás quaes deu o nome de Nova-Louzã, daremos aqui ácerca de cada uma resumida noticia. A quinta de Montenegro, situada na saida da villa da Louzã, á beira da estrada que conduz para Ceira dos Valles, foi comprada aos 25 de março 1824 pelo dr. Sebastião José de Carvalho Montenegro, distincto medico residente n’aquella villa, que deixou de si feliz memoria, não só por suas idéas eminentemente liberaes, o que lhe custou (como a outros muitos honrados cidadãos das Beiras, que combatiam a usurpação) o ser arrastado de desterro em desterro, mas tambem por sua exemplar philantropia. Só em 1834 é que pôde voltar a sua casa, que encontrou bastante arruinada. Refere-se na villa que o sr. dr. Montenegro não ia fazer visitas a enfermos pobres, sem que lhes deixasse á cabeceira com que passar o dia, e isto grangeou ao distincto clinico grande sympathia e profunda veneração. A quinta foi com effeito comprada em 1824 pela diminuta quantia de um conto de réis, sendo a escriptura assignada pelo dr. Antonio José de Figueiredo, da quinta de Jevim, como procurador do proprietario da então quinta da Tapada, o reverendo padre Felix José Cortez Serra, que residia em Lisboa. O novo possuidor teve occasião de augmentar a quinta, annexando-lhe uma fazenda em frente, e por sua morte ainda tem sido augmentada, assim do lado N., como do lado O.N.O. O sr. João Elizario de Carvalho Montenegro, um dos actuaes possuidores (que nascera noventa e um dias depois de comprada a quinta), vindo em 1858 do Brasil, onde residia desde 1841, observou que as antigas casas não offereciam commodidade, e auctorisou por isso seu irmão o reverendo padre José Daniel de Carvalho Montenegro a mandar fazer o palacete, que hoje se vê na villa. N’estas obras, ás quaes presidiu a mais severa economia, e em que a mão de obra entrou por pequena parte, visto que na provincia é sempre barata, até em época de alta nos salarios, consumiram-se ainda assim quasi cinco contos de réis. Regressando novamente a Portugal em 1866, o sr. Montenegro (João), viu e approvou estas obras, e combinou em que se aformoseasse o palacete, não só revestindo algumas salas, que não estavam acabadas, e correndo uma platibanda por cima da casa nobre, mas tambem levantando uma grade de ferro no muro que cerca a fazenda do lado O.N.O., no extremo da qual se edificaram o pequeno theatro louzanense e o hospital de S. João. A frente da casa, excluindo os corpos destinados aos serviçaes, tem 27,5 metros de extensão. Os actuaes possuidores d’esta bella vivenda, a exma sr.ª D. Maria Peregrina de Carvalho Montenegro, e os seus indicados irmãos, em memoria de seu venerando pae, deram-lhe o nome que hoje tem. A fazenda da Nova Louzã está situada na freguezia do Espirito Santo do Pinhal, municipio de Mogy-mirim, provincia de S. Paulo, do imperio do Brasil. Dista de S. Paulo uns 145 Kilometros e do Rio de Janeiro 510, em viagem de 4 dias, que pode fazer-se sem grande incommodo. O primitivo nome d’esta fazenda foi das Palmeiras; mas o actual proprietario, para honrar a terra da sua naturalidade e em attenção ás pessoas ali empregadas, oriundas da Louzã, substituiu (assim que a comprou em janeiro 1867) o nome da fazenda e do ribeiro que a corta, dando a uma denominação de Nova Louzã e ao outro a de ribeiro de Arouce, denominações já sanccionadas pela assembléa legislativa da provincia de S.Paulo. ¹ Tem a nova fazenda uns 402,5 alqueires de terreno, onde se acham presentemente plantados 80:000 pés de café, 2:500 bacellos de uva americana (da qual se fabrica vinho quasi egual ao que chamâmos verde), 10 alqueires de milho (para o consumo dos empregados da fazenda, e engorda dos animaes domesticos e gado de trabalho), 7 alqueires de algodão, arroz, feijão, etc. Em uma pequena parte se cultivam hortaliças e raizes farinaceas para o consumo da familia. O numero de empregados portuguezes é 63, dependentes do regulamento da fazenda discutido e approvado por elles proprios, e mais 31 indigenas, que trabalham separadamente de empreitada. Ao todo, 94. O trabalho é livre, e por tal modo bem remunerado e policiado que as principaes auctoridades do municipio, contando-se tambem o delegado consular de Portugal, tem passado honrosos attestados para o sr. Montenegro. Não querendo seguir o systema de contractos de locação de serviços, com que se captivam muitos dos nossos compatricios que vão ás terras de Santa Cruz procurar trabalho mais rendoso, o sr. Montenegro tem attrahido os seus conterraneos por meio de bons salarios, deixando a cada um a liberdade de continuar ou não no serviço da Nova-Louzã. E d’este modo tem conseguido conservar os que vão para ali, achando-se todos como em familia, e dirigidos por um cavalheiro, que é antes pae do que chefe. A despeza com o pessoal da fazenda, alimentação, medico, botica, etc., tem sido de 11:000$000 réis annualmente. A receita não se podia calcular porque dependia da producção, cuja venda só chegaria a ser vantajosa e lucrativa em 1872. Além de levantar, com licença da auctoridade ecclesiastica, oratorio privado, onde manda celebrar missa nos dias solemnes, instituiu o sr. Montenegro uma aula nocturna (como já o tinha feito em 1866 na Louzã, a velha), onde os empregados analphabetos do estabelecimento aprendem a ler e a escrever. Tem a fazenda da Nova Louzã boa casa com excellentes accommodações para o proprietario; casa para a moradia dos homens que não tem familia; casa para as familias; enfermaria; paiol ou tercena; forno; olaria; e telheiros. Quando algum dos empregados adoece, digamos por fim, embora pese ao caritativo proprietario, o primeiro e mais cuidadoso enfermeiro é o sr. Montenegro.² Com este cavalheiro está presentemente seu irmão mais novo o sr. dr. José Daniel de Carvalho Montenegro.”
¹ Vid. Memoria sobre a fundação e estado actual da fazenda da Nova Louzã, in-8.º gr. de 54 pag. – S. Paulo, 1870. ² As pessoas que desejarem conhecer os pormenores da vida d’este benemerito cidadão, podem consultar, além de muitos numeros do Conimbricense, e Tribuno Popular, de Coimbra, e Correio Paulistano, de S. Paulo, a já indicada Memoria relativa á fundação da Nova Louzã, os Contemporeaneos, n.º4, collecção de biographias de varões illustres, e os n.os 31, 32, 34, 35 e 36 do Annuario do Archivo Pitoresco, secção noticiosa.
In, MEMORIAS HISTORICO-ESTATISTICAS DE ALGUMAS VILLAS E POVOAÇÕES DE PORTUGAL, P. W. Brito Aranha, Lisboa, Livraria de A. M. Pereira – Editor, 1871
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Imóvel Situada na zona central da vila da Lousã, a Casa do Comendador Montenegro é uma imponente habitação de planta retangular edificada na década de 60 do século XIX. O edifício, um típico solar oitocentista, divide-se em dois pisos com mansarda, apresentando uma extensa fachada compartilhada em três panos e marcada pela abertura de janelas, disposta simetricamente. Os panos laterais, rigorosamente iguais, são rasgados por quatro vãos em cada piso: três janelos e uma porta de verga reta no piso térreo, e duas janelas de guilhotina enquadrando duas janelas centrais de sacada, com varanda de ferro forjado, no andar superior. O pano central, rematado pela mansarda, é mais elevado, abrindo-se ao centro a porta principal, que se eleva à altura do piso nobre, sobrepujada pela janela da mansarda, com uma elegante varanda de pedra com guarda em ferro. As janelas de parapeito do primeiro andar, tal como a janela da mansarda, são rematadas em frontão curvo, enquanto as de sacada apresentam frontão triangular. O portal exibe um frontão híbrido, muito alteado, resultante da composição entre os elementos curvos e o remate triangular. História A Casa do Comendador Montenegro, também conhecida como Casa de São Pedro, foi construída entre 1860 e 1870, nas terras da antiga Quinta da Tapada. A obra foi patrocinada por João Elizario de Carvalho Montenegro, comendador que fundou no Brasil a colónia da Nova Louzã, e é considerado o iniciador da emigração lousanense para terras brasileiras. Em 1824, João Montenegro adquiriu a então Quinta da Tapada, localizada à época nos arrabaldes da Lousã. Residente no Brasil a partir de 1841, o proprietário deslocou-se a Portugal em 1859, decidindo então edificar na propriedade uma grande casa para habitar quando se deslocasse à sua vila natal, uma vez que as casas que integravam a herdade "não ofereciam comodidade" (Aranha: 1871, p. 148). A construção ficou a cargo do seu irmão, o Padre José de Carvalho Montenegro, sabendo-se que em 1865, quando Montenegro regressou a Portugal, a obra não estava ainda terminada. No início do século XX os herdeiros de João Montenegro venderam a casa aos irmãos Anastácio, José e Pedro, ficando a propriedade, depois, em nome deste último. No entanto, o nome da habitação ficou sempre ligado ao comendador brasileiro, que se mantém na memória da população local. Com o crescimento urbano da povoação, a Casa do Comendador Montenegro ficou integrada no centro da vila. Está classificada como de interesse municipal desde 2005. Catarina Oliveira DGPC, 2016 (com a colaboração da CM Lousã) |